Se envelhecer virou sinônimo de amargar, não sei muito bem se quero envelhecer. 

É como se a cada envelhecer, uma gota de doçura deixasse de existir até não existir mais gota alguma. Um gosto horrível, amargo, intragável, que dá vontade de vomitar, e de repente parece estar vomitando todas suas dores, mágoas, preconceitos, raivas e ódio em um mundo repleto de alegrias pela frente. Cada saliva gasta e que sai de sua boca parece pingar na esperança do mundo e amargando por tudo e todos que se passa. Afinal, se você sente esse amargo intragável, que injusto o mundo ainda sentir doçura.

Não é só amargor que há nessa velhice mal trabalhada, nessa velhice torta, nesse envelhecer sem autoconhecimento. (Chega a ser irônico os idosos se dizerem com sabedoria, mas mal sabem eles sobre si mesmos!). Há muito ego pelos anos vividos, sabe aquele dono da verdade? Intragável! Há vitimismo e o odiar envelhecer, se achar incapaz, sem saúde, sem liberdade, inventar regras de condutas pra sua idade que não existe. Que atire a primeira pedra quem nunca ouviu o avô/avó ou algum idoso dizer a seguinte frase: Mas claro, você é jovem, jovem tem saúde, jovem consegue, seria um absurdo se na sua idade não conseguisse. Queria ver na minha idade.

Chaves nunca esteve tão certo, existem jovens de oitenta e tantos anos. E também velhos de apenas vinte e seis.

A velhice está na alma, certo? Não é a vida que é amarga, mas sim como essas pessoas deixaram se amargar pela vida... Quero acreditar nisso, pra me dar uma chance de envelhecer sem ter esse medo de virar uma pessoa intragável e amarga até o âmago do meu ser.

Quem diria, que só amargar ao envelhecer poderia vencer o medo da morte praquela menina...

 Aprenda a ouvir não. A não ser querido e desejado. Aprenda que as coisas não vão ser do seu jeito e nem tem que ser. Aprenda que o outro não está ali por você, pra realizar as suas expectativas. Aprenda com os erros, com as críticas. Aprenda a não se fazer de vítima quando na verdade é o vilão. Aprenda a ouvir não. Não quero, não gosto, não vou, não dá, não me faz bem, apenas não. Mas por que não? Apenas não. Aceite. Que diferença faz o porquê ou a falta dele? Aprenda a aceitar a vida como ela é sem drama. Que a vida muda, as pessoas mudam... E apenas você não mudou. Errado não me parece o mundo, mas sim você parado no tempo.

“Não posso me permitir sentir e ter emoções”, aquela garota tinha que ouvir isso e se abster, ficar quieta. Doía lá dentro de suas entranhas, ver outra mulher se perdendo em mentiras criadas por si mesma, mentiras que falou por tanto tempo que já acreditara ser verdade. Segurava o choro, o coração apertado. Esse é o preço que a garota paga pela liberdade? Chorar pelas que nunca a encontrarão e estarão sempre presas em suas falsas verdades?

 Não dá raiva quando alguém estraga uma música que você tanto ama? Tristeza em apagar todas aquelas playlists porque só em pensar em ouvir dá um aperto no coração e um nó na garganta. Nostalgia. Lembranças que a cercam. Muita memória afetiva.

 Apesar de ser uma menina de certezas, não lhe apetece aquele quem não tem dúvidas. Acha chato, sem graça, sem profundidade. Será que só soa estranho pra ela essa certeza de tudo, rótulos e ter todas as respostas? É muito dureza numa vida que já pode ser dura por si só. A única certeza que lhe parece bela é a certeza da dúvida. 

E  se? Será? Pensar em todas as possibilidades e teorias possíveis, e não chegar a conclusão nenhuma, porque não há uma resposta certa, uma certeza absoluta. Chega a dar arrepio!  

Não gosta de pessoas duras e com suas certezas absolutas, suas convicções de estimação. Seria o medo de mudar? O medo de não ser linear? O medo de combinar com esse turbilhão chamado vida? O que se esconde por trás das suas certezas absolutas? O que isso diz sobre você?

A dúvida, para aquela garota, era mais um afrodisíaco...

 Chega um momento que a gente para de perder nosso tempo e energia com certas coisas. Cansei. Tenho duas décadas e meia e cansei de tanta coisa. Cansei de pessoas que querem viver na sua caixa de verdades absolutas. Cansei de pessoas que fazem terapia, mas nitidamente percebe-se que precisam de muita terapia (incoerente né?). Cansei de pisar em ovos.

De repente, ou não tão de repente assim, aquela garota que se autosacrificava por todo ser e era tão compreensiva e solícita, despertou. E que despertar! Impôs os seus limites, e incomodou todos ao seu redor. Demonstrou suas idéias, falou, se expandiu, se abriu, e mais uma vez incomodou. De garota submissa cuidadora a mulher empoderada que não abaixa a cabeça pra qualquer um.

Aprendeu a lidar com os seus próprios demônios e enxergava os demônios alheios escondidos nas profundezas das almas de cada ser. Eles não pareciam muito bons em esconder, na verdade. Talvez eles sejam os únicos que não enxerguem a verdade escancarada sobre si mesmos.

Aquela garota ainda tinha a mania de pegar um espelho e tentar mostrar os demônios as pessoas... Coitada, sempre com essa mania de ajudar aqueles que estão estagnados na zona de conforto 

Quis  tanto ser a Laura, que quando habitou o seu corpo e o seu ser percebeu que não era tão legal e interessante quanto se enxergava de longe, distante. Achava que era fácil, glamouroso, leve. Apesar de ser mulher não ser algo fácil, achava que no corpo dela as coisas seriam mais simples e menos difíceis, afinal,  se trata da Laura. É, aquela mulher que há pouco menos de um ano ainda era uma menina em transformação, aguentou tanta barra, aguentou tantas pessoas e passou por tanta coisa, que agora estava livre, empoderada, sem problemas, cheia de autoconhecimento. Doce ilusão pensar que esse caminho de transformação e autoconhecimento parou por ali, e que agora seria diferente, que seria fácil. Se iludiu, e resolveu ter uma vida que não te pertence, ideias que não são suas, padrões que não são teus, pra fazer parte de uma turma e de uma vida que você acha legal só de ver.

Errou, se arrependeu, quer voltar atrás e descobrir o que é ser você.

Dá tempo? Será que dá tempo?

Depois de se perder em outras pessoas e renegar seu próprio ser, parece que requer muito mais esforço e até dor, pra chegar na sua essência. O caminho ficou mais longo, vai encarar?

Uma promessa: Sem se perder. Só pode se perder nas profundezas de si mesma.

 Então aquela garota começou a tomar doses de autoconhecimento, se aprofundar nas mais profundas trevas, oceanos com limbo e tempestades e em contrapartida, também se aprofundou na luz, em oceanos calmos e pacíficos. Tomou uma (quase) overdose de saber e intuição.

Ela? Já fora em algum momento uma dessas pessoas rasas, que segue os demais, influenciável, sem se aprofundar em si, nos outros, nos detalhes, no óbvio e nas entrelinhas. Pior! Era aquele tipo que se achava profunda, sendo que tinha medo do fundo, achava seguro e prudente não se arriscar, e ficava no raso. Na sua mente, estava nas profundezas, tinha ego de ser tão ela, de ser tão aquilo que ninguém é e jamais seria. Prepotência de iniciante no mundo do autoconhecimento, vamos dar um desconto.

Agora, se depara com coisas e seres que pisam no raso, e se distancia. Não quer nem correr o risco de voltar toda essa jornada e acompanhar aqueles que aindam não entenderam a própria jornada, a jornada que é viver. 

Prometeu pra si mesma e repetia sempre a mesma frase: Quanto mais me aprofundo, menos quero pisar no raso.

Marie era tão complexa, que o simples já não lhe dava êxtase.

O processo é interno. O externo reflete.

Não é com você, é com ela.